Mulheres ainda são minoria nos poderes do Brasil
- Thaís Mariquito
- 30 de nov. de 2017
- 5 min de leitura
Pautas feministas estão sendo cada vez mais discutidas na sociedade, inspirando grandes campanhas nas redes sociais. Além disso, muitas novas leis foram criadas a fim de promover a inclusão e a proteção da mulher. Afinal, mulheres representam 52% da população brasileira, 51% do eleitorado, 54% da população economicamente ativa e ainda 64% dos estudantes de universidades federais. Sendo maioria em tantas esferas, era de se esperar que em uma democracia representativa as mulheres também tivessem uma participação parecida politicamente. Mas a realidade não é bem assim.
Nos cargos legislativos, as taxas de participação de mulheres colocam o Brasil em 116º lugar, um dos piores colocados em um total de 190 países. No Judiciário, apesar do aumento significativo no número de magistradas nos últimos 20 anos, as instâncias superiores permanecem predominadas por homens. E no Executivo, apesar de termos tido uma mulher presidente eleita para dois mandatos (ainda que não tenha completado o segundo, devido a um processo de impeachment), nos âmbitos estadual e municipal, os cargos de chefia permanecem esmagadoramente ocupados por homens.
História

No Brasil, mulheres votam e podem se candidatar há apenas 85 anos. Em 1927, o Rio Grande do Norte removeu o veto ao voto feminino da Constituição Estadual, como resultado de uma campanha pelo sufrágio feminino promovida pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Mas o Tribunal Estadual acabou anulando todos os votos de mulheres da eleição daquele ano e foi somente em 1932, após intensa campanha eleitoral, que o decreto 21.076 do Código Eleitoral Provisório garantiu que as mulheres pudessem escolher seus representantes.
A primeira mulher eleita foi Carlota Pereira de Queiroz, como deputada federal por São Paulo em 1934, e que chegou a participar da Assembleia Nacional Constituinte realizada naquele ano. A primeira senadora veio apenas em 1979: Eunice Michelis, do Amazonas, suplente do deputado João Bosco de Lima. Ela assumiu depois da morte do titular do cargo (vale registrar, entretanto, que a princesa Isabel já havia ocupado uma cadeira no Senado em 1871, direito assegurado pela Constituição do Império a todos os “príncipes da casa imperial”).
Desde os anos 90, a presença feminina nas câmaras municipais, assembleias legislativas e Congresso se mantém em torno de 10%. As variações são mínimas. O número de vereadoras e deputadas estaduais já chegou a quase 13% e, a 9% para deputadas federais, nas eleições de 2014. Em 1997, entrou em vigor a Lei 9.504, que determinou que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”, como forma de estimular uma maior presença feminina nos cargos políticos. Mas, apesar de estimular o aparecimento de mais candidatas ao longo dos anos, isso não aconteceu com o número de eleitas.
Cotas na política
Cientista social e pesquisadora com experiência na área de Democracia participativa, representação e participação feminina nos espaços de poder, Astrid Sarmento acredita que essas cotas são necessárias, já que aumentam o número de candidatas nos partidos. “Mas o problema é que isso não efetiva a eleição. Elas causam um impacto, mas não legitimam a eleição de mulheres, de fato”. Para ela, isso acontece porque a política é “uma esfera muito masculinizada, em que os partidos e as estruturas partidárias, na verdade, não favorecem os cargos de poder entre as mulheres. Elas dificilmente ocupam cargos, por exemplo, de presidência de partido, diretórios ou comissões internas. Elas acabam sempre ocupando cargos subalternos”.
Segundo Astrid, “Nós temos muitas mulheres assessoras, coordenadoras de ONGs, movimentos e associações. E todas elas, na verdade, participam ativamente da vida política do Brasil. Então acredito que, na verdade, deveriam existir mais políticas de incentivo”. Para ela, o fato de as mulheres representarem mais da metade do eleitorado “deixa claro que mulheres não votam em mulheres. Por isso precisamos de uma política de incentivo, em que mulheres possam verificar a qualificação de candidatas mulheres e votar em mulheres. Isso levaria a mais mulheres serem eleitas”.
Astrid acredita também que outra solução para garantir que mais mulheres sejam eleitas seria o esquema de “lista fechada”, como funciona na Argentina: “Lá, por exemplo, para cada dois homens eleitos, uma mulher também tem que entrar. Porque o que acontece é que muitos partidos colocam mulheres ‘laranja’, simplesmente para cumprir a cota de 30%. Mas elas não têm o mesmo tempo de aparição na propaganda eleitoral, nem a mesma verba do partido ou apoio político”.
Mulheres no poder

E, afinal, existe diferença nas agendas e formas de governo entre políticas mulheres e homens? Sim e não. Astrid afirma que “A agenda de um político não está diretamente relacionada com o seu gênero. Eu posso ser mulher, por exemplo, e não conhecer nada da esfera feminina. Não ser mãe, não ser dona de casa, não ser cuidadora e, com isso, não ter contato com esferas da vida privada que sempre foram atribuídas às mulheres”.
Em sua dissertação de mestrado, ela questiona justamente se mais mulheres participando das esferas políticas de deliberação traria algumas demandas mais voltadas para a agenda da vida e da esfera da mulher. “Eu consegui detectar que sim, já que é claro que quanto mais pluralidade houver na representação, mais efetivas serão as políticas para alcançar as pessoas que são diferentes e que tem determinadas especificidades”.
Ela diz ainda que acredita que “dificilmente, homens possam pensar em políticas públicas voltadas para filhos ou gravidez da mesma forma que uma mulher. Mas isso não exime que um homem seja um grande pesquisador da esfera feminina. Então, eu acho que é uma questão de envolvimento”.
E no futuro, como será?

E a discrepância numérica da participação de mulheres nas esferas legislativas e executivas têm grande impacto na nossa sociedade, segundo Astrid. Ela afirma que “isso reflete na não representação política de toda a sociedade. E acredito que deixe de fora demandas e agendas que são da esfera da mulher, sim. E isso acaba distanciando as mulheres da política”.
Além disso, ela acredita que “não só os partidos não dão abertura, como muitas mulheres também não têm vontade ou interesse em participar dessas esferas da política, por entenderem que a política é um espaço masculino”. E reafirma a complexidade do caso: “São muitos lados, as mulheres não se candidatam, os partidos não apoiam, as mulheres não votam nas mulheres e os homens sempre masculinizam os espaços que as mulheres tentam ocupar”.
Mas Astrid se mantém otimista quanto ao futuro. “Eu acredito que, aos poucos, isso mude. Acho até que já vem mudando. Então faz parte do papel da mulher, assim como nós militantes, pesquisadoras, políticas, que a gente também se envolva e promova políticas públicas que auxiliem na promoção da participação dessas mulheres”. E continua: “São muitas barreiras que devem ser enfrentadas pelas mulheres e que elas devem, sim, lutar pelos seus direitos, pelo seu espaço, por leis de cotas que incluam essas mulheres nesses espaços. Uma vez que, infelizmente, a nossa sociedade é patriarcal, machista e dominadora. E só participando e se envolvendo é que essas mulheres vão conseguir modificar isso”.
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