O sucesso dos dramas asiáticos
- Isys Bastos
- 24 de nov. de 2017
- 6 min de leitura

Pôster de divulgação do drama Goblin (2016)/ tvN
Desde o início dos anos 2000, os produtos audiovisuais asiáticos têm se popularizado. E isso não acontece só naquele continente, mas em todo o mundo. Este fenômeno é visto como resultado do sucesso que as produções de animação japonesas - os animês - alcançaram entre os jovens daquela época, inclusive, aqui no Brasil.
Os dramas ou, como também são conhecidos, doramas - termo de origem japonesa - são fruto de uma política adotada por países como Japão e Coreia do Sul por volta da década de 1990, que visava ampliar laços com o exterior através da venda e distribuição de produtos culturais. Apesar do Japão ter sido pioneiro nesse quesito, hoje temos a Coreia do Sul como principal exportadora de produções desse gênero, fenômeno que colabora com o que pesquisadores chamam de “Onda Coreana” ou simplesmente, “Hallyu”. Essa onda compete não apenas produtos de TV, mas também música, que é o segundo pilar dessa estratégia de sucesso.
Fansubbers
A estudante de Engenharia de Petróleo Ana Beatriz do Vale Silva, de 23 anos, é uma das administradoras da equipe do fórum Kingdom Fansubs, um dos fansubs dedicados a disponibilizar conteúdo audiovisual asiático - além dos doramas de várias nacionalidades, entre eles sul-coreanos, japoneses, taiwaneses e chineses. Mas há também filmes e programas de variedades. Ela conta que a atividade de legendar esses produtos surgiu naturalmente, uma vez que outras pessoas também tinham interesse em assistir, mas em sua maioria as legendas eram em inglês, o que dificultava o acesso para quem não domina o idioma. “Passei dois anos só assistindo diversas séries e me interessei muito pela cultura” conta, “por volta do fim de 2012 eu tive vontade de traduzir alguns que só estavam disponíveis em inglês, e comecei a legendar para alguns sites, porque eu já tinha costume de ajudar alguns amigos com legendas de animes”.

Foto: Ana Beatriz/ Arquivo Pessoal
Passados alguns meses, o gosto pelos doramas e a crescente procura por eles incentivou o início de um projeto maior para as legendas. “Eu e mais duas amigas, que conheci na internet através dos dramas, começamos um fansub por volta de outubro de 2013”, conta Ana Beatriz. Um dos motivos que mais serviu como incentivo, segundo ela, foi a vontade de disponibilizar para outros fãs um conteúdo em tempo real, sendo lançado simultaneamente com seu país de origem. “Na época, havia uma escassez de dramas em andamento, pois quem legendava esperava todos os episódios serem lançados para só então começarem a legendar aqui”.
Dessa forma, a proposta foi acelerar esse processo e possibilitar que, por exemplo, um episódio possa ser assistido com legendas em português dois ou três dias após ser exibido em seu país de origem. “Procuramos postar pelo menos na mesma semana, porque isso traz um sentimento diferente de assistir algo que já está finalizado, pois tem a ansiedade em esperar o próximo episódio e durante esse tempo interagir com o grupo de pessoas e amigos que estão assistindo junto com você”, justifica.

Weightlifting Fairy Kim Bok Joo (2016)/MBC
Apesar de ter começado como algo despreocupado, a criadora do fansub aponta que é uma atividade que exige muita responsabilidade e compromisso. “Manter o fórum em questão de cultura organizacional é um desafio, principalmente quando a equipe chega a dimensões que não se esperava.” Segundo ela, a equipe que começou com 3 membros, hoje já conta com 22 participantes ativos e mais 5 que colaboram eventualmente, o que exige um planejamento mais rígido das atividades. “No começo, era mais fácil decidir o que íamos fazer, como e quem ia fazer, e, aos poucos, isso foi ficando mais dífícil, já que a medida que entraram mais pessoas, aumentaram o número de projetos ativos também.”
Ainda que o grupo seja dividido em setores - administração, tradução, revisão, encode e upload, criação de conteúdo e apoio - ela explica que uma das principais políticas que procuram conservar é a de tomar as decisões em conjunto e permitir que cada um faça aquilo que gosta. “Essa organização é muito importante, pois todos precisam estar bem sintonizados e cada qual sabendo sua parte nisso, já que ficamos em média com 15 projetos ativos, então, para isso dar certo, nós buscamos fazer pelo menos uma reunião trimestral com o objetivo de tomar essas decisões, de acordo com o interesse de cada um”.
A cultura do fansub, sendo algo voluntário, exige disciplina até mesmo na rotina pessoal. Ana Beatriz, que é estudante universitária, divide suas legendas com a redação do trabalho de conclusão de curso. Mas outros membros da equipe também organizam sua atuação como fansuber com vestibular ou trabalho, e isso nem sempre é fácil. “Muitas vezes acontece de a gente ficar até tarde fazendo legenda ou ter que arrumar algo no site. Quando, por exemplo, uma legenda vai errada e tem que refazer, acaba sendo uma correria para não atrasar o prazo. Mas às vezes é inevitável e temos que estar dispostos a resolver”.
Apesar de, inevitavelmente, já ter pensado em desativar o fansub, para ela, essa união entre a equipe e os vínculos de amizades criados através do interesse pelos dramas, é o que mais motiva a continuar, além do número de inscritos no fórum, que já passa de 100 mil “dorameiros”. “Sempre que a gente pensa em parar, surge algum drama que queremos legendar”, comenta.
E ainda que não seja um trabalho remunerado, há outros ganhos muito importantes, como retorno desse esforço de fã. “Posso citar as várias pessoas que conheci ao longo dessas traduções, além do contato cultural com os costumes, com a história e também com a língua, não só o coreano, mas também com o inglês, que, costumo dizer, aprendi assistindo doramas”, aponta a estudante.
Dorameiros(as)
Os fãs de dramas ou dorameiros, como eles mesmos se chamam, conheceram esse tipo de conteúdo das mais diversas formas e usam a web para interagir e compartilhar opiniões sobre essas narrativas, abordando aspectos como os atores e atrizes favoritos, os protagonistas, o contexto que envolve a história, a cultura, a culinária, entre outras coisas. No Facebook há diversas comunidades brasileiras fechadas, contando com milhares de membros. “Somos viciados em doramas” é uma delas, que conta com mais de 50 mil participantes.
“Descobri por meio de duas amigas que falavam sobre essas séries o tempo todo”, conta a estudante universitária Larissa Silveira Dias, de 22 anos. “Resolvi dar uma chance, porque estava enjoada das séries americanas e adorei, porque a série tinha só 16 episódios e consegui assistir quase tudo em um dia”.
Diferentemente das séries americanas, que são divididas em temporadas compostas, em média, por 15 a 24 episódios. de aproximadamente 50 minutos, os dramas em sua maioria são formados por uma única temporada, que pode ter 12, 16 ou 20 episódios de uma hora. Um verdadeiro “prato cheio” para quem não consegue se prender muito tempo à uma série longa ou gosta de maratonar - assistir vários episódios seguidos.

The Legend of the Blue Sea (2016)/SBS
“Das séries que eu assistia antes, gostava de temas mais clichês, não assistia nada com suspense”, conta Larissa. Já “os doramas têm comédia, ficção, romance, ação, tudo misturado, mas ao mesmo tempo é muito harmônico, não dá vontade de parar de assistir”. Ela explica que cultura de um país oriental também desperta o interesse por ser algo exótico e distante de nossos costumes, mas ao mesmo tempo, temas de interesse social são abordados, o que proporciona uma visão cultural diferente da que temos no Brasil. “Quando você começa a assistir, ao longo do tempo você vai percebendo as mudanças sociais pelas quais o mundo está passando retratadas naquela cultura, que você nunca imaginou a conhecer, e isso te dá um novo olhar sobre temas como feminismo, formação profissional, sexualidade, questões de gênero, por exemplo”.
Ruth Gonçalves, também estudante universitária, comenta que foi atraída pelo investimento que a produção dessas histórias tem, resultando em uma qualidade diferenciada, considerando que é um produto que vai ao ar na televisão. "Algumas emissoras fazem um trabalho quase cinematográfico mesmo".
Com a explosão de interesse pelo tema, também surgem pesquisas em torno dele. Kamila Rodrigues Monteiro, que trabalha com mídias sociais, conhece os dramas desde 2010, e eles influenciaram tanto suas preferências que um deles, inclusive, se tornou seu trabalho de conclusão de curso na faculdade. "O principal desafio foi como embasar minha pesquisa, porque a maioria dos textos sobre esse assunto eram em inglês em 2014". Fazendo uma comparação com o que se vê hoje, ela percebe que as pesquisas já evoluíram no âmbito acadêmico, o que é muito importante. "Antes era mais restrito, hoje é um tema que dá pra relacionar com muitas outras coisas."
Como doutoranda, que tem suas pesquisas voltadas para produtos asiáticos, Krystal concorda com essa perspectiva. "Cada vez mais os estudos em comunicação e mídia se verão desafiados a dar conta de um universo de interesse cada vez mais específico e segmentado dos públicos, como os casos do pop japonês e sul-coreano demonstram", explica. "É preciso, portanto, olhar para além daquilo que as lentes ocidentalizantes orientam enxergar."
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