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Mais do que um passo para frente: é preciso dar dois.

  • Mayara Affonso
  • 14 de nov. de 2017
  • 5 min de leitura

Nos últimos finais de semanas, estudantes de todo o Brasil realizaram as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como acontece todo ano, as especulações sobre o tema da redação foram inúmeras: muitos pensaram que o assunto poderia estar relacionado à causa LGBTTI, visto que, este ano, a visibilidade sobre isto e sobre as questões de gênero foram, inclusive, assunto para a novela das nove da TV Globo. Outros sugeriram a formação da família no século XXI, uma vez que o molde da “tradicional família brasileira” cada vez mais perde força. Houve também quem pensou que o tema da prova pudesse estar relacionado ao sistema prisional brasileiro, dados os constantes episódios de violência em grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, por exemplo.

Contudo, as apostas nem chegaram perto do verdadeiro tema da prova: “Desafios para formação educacional de surdos no Brasil.” A escolha foi de fato ótima. Acho que nunca paramos para pensar nas dificuldades que estas pessoas enfrentam em seu dia a dia. Nunca paramos para pensar em quantas pessoas surdas conhecemos e em como elas fazem para se comunicar com aqueles que não as compreendem. Eu, de fato, sempre vejo um surdo vagando pelos saguões e corredores da UFJF, por exemplo. Esses dias mesmo, participei de um evento que contou com a presença de três surdos, que tiveram um intérprete à sua disposição durante todo o tempo. Achei isso muito bacana, porque a universidade é de todos, então nada mais justo do que oferecer atividades para todo tipo de público, independente das suas diversidades.

Voltando ao tema da redação do Enem, será que esses desafios estão perto de serem batidos? Vejamos: como seria possível mudar a realidade daqueles que não convivem com esse problema em sua rotina? No dia seguinte à aplicação da prova do Enem, uma matéria foi publicada na internet contendo a história de uma jovem que foi obrigada a abandonar um curso de faculdade, porque a instituição não dava nenhum suporte a ela. A moça ia assistir às aulas inutilmente, já que os mestres não sabiam se comunicar em libras. Inclusive, uma das professoras chegou a declarar que não ia mudar o estilo das aulas por causa de uma única pessoa diferente, que no caso era a jovem.

Então o que seria preciso mudar, o que seria necessário inovar para contornar uma situação como a dessa mulher? Primeiramente, Fora Temer. (Brincadeiras à parte, não aguento mais esse trocadilho. E isso não quer dizer que sou a favor do atual governo, hein?)

Primeiramente, temos que entender que esses desafios não estão ligados somente a questões sociais e educacionais. O lado político também está envolvido e, muito, nisso. Eu acredito que toda e qualquer pessoa que possa ter alguma doença ou algum tipo de deficiência, como a surdez e a cegueira, por exemplo, deva receber um cuidado diferente, uma atenção maior.

Dessa forma, no meu ponto de vista, deveríamos ter em nossas escolas e universidades pessoas capacitadas e especializadas, contratadas para lidar com a realidade dessas pessoas. Assim sendo, uma alternativa viável seria a formação de turmas únicas, direcionadas a pessoas surdas, cegas ou que possuem síndrome de down, por exemplo. Sempre vai ter um que vai falar: “ah, mas isso é preconceito” ou “isso só serve para afastar ainda mais essas pessoas do convívio social” ou até mesmo “isso custaria uma fortuna, vamos deixar assim mesmo.” (Arrisco até a dizer que, se alguém tiver expressado esse ponto de vista na prova do Enem, ou sugerido alguma alternativa semelhante, poderia ter uma redução da nota, visto que tal pensamento poderia ser entendido como uma violação ao “direitos dos manos”, mas continuemos o raciocínio)

Não, isso não seria preconceito. Isso não seria afastar essas pessoas da sociedade. Isso seria oferecer para eles a mesma chance que as pessoas consideradas normais possuem. Seria mostrar para eles que, da mesma forma que os demais, eles também estão ali para aprender, com todo o cuidado e com todo o carinho e paciência que eles necessitam ter. Essa seria sim uma solução viável. Por que o que adianta colocar um cego, surdo ou alguém que possua algum atraso mental, por exemplo, em um ambiente onde pessoas não foram educadas a respeitar as divergências? O que adiantaria manter em uma mesma classe essas pessoas que não acompanhariam as aulas (não que elas não se esforcem para isso) no mesmo ritmo que os demais? O que adiantaria deixá-los à mercê de pessoas que poderiam ofendê-los de maneiras inadmissíveis? Já estamos em 2017, e o bullying continua firme e forte em nosso cotidiano.

É aí que entra o lado político da coisa. Sim, ofertar classes especiais para essas pessoas ou até mesmo contratar profissionais capacitados para acompanhar os surdos, como o intérprete de libras, por exemplo, geraria um custo, e esse custo a gente sabia que seria alto. E como resolver essa questão em tempos que o governo a cada dia tenta diminuir os investimentos na área educacional? Infelizmente sabemos que há dinheiro sim. O problema é que somos roubados todo dia quando vamos ao supermercado, quando compramos uma roupa, quando vamos a algum show… é só reparar no preço das coisas e fazer um simples cálculo. Você é roubado e não sabia. O Brasil é um país que possui altos impostos sobre o ramo alimentício e tecnológico. Tente comprar algo vindo do exterior. Você irá pagar não só o valor do produto, mas o dobro ou quiçá o triplo do que ele vale. Então, sim, há como mudar o dia a dia dos surdos, mas o governo irá alegar que não há dinheiro para investir nisso, logo temos que pensar em outra solução. (Depois algumas pessoas, na realidade amigos e colegas próximos mesmo, não sabem por que eu detesto tanto esse país)

O que mais poderia ser feito para melhorar a realidade dos surdos? Se você pensou em inclusão na educação de escolas base, acertou. Acredito que grande parte dos estudantes de Ensino Médio que realizaram o Enem não souberam argumentar sobre essa questão na redação, e sabe por quê? Porque essa não é a realidade a que muita gente está acostumada. Quantas pessoas surdas vemos em escolas? Quantas pessoas surdas fazem parte do nosso ciclo de amizade? Se a gente pensar um pouco, a resposta é assustadora. O que escrever em uma redação quando não há maturidade o suficiente para debater o tema? Como sugerir melhorias e formas de vencer esse problema sem entender sobre o que você está escrevendo?

Penso que desafio maior é inserir no dia a dia desses estudantes a realidade que quase 100% das vezes passa despercebida por eles. Acredito que o tema da redação trouxe bastante visibilidade para essa causa, que, assim como outras, é deixada de lado. O problema é que, mesmo que arrumemos soluções viáveis, vivemos em um país que não dá a mínima para a educação. Para mudar questões sociais e políticas, é preciso mudar o sistema educacional.

Poderiam aproveitar essa reforma do Ensino Médio para vencer esses desafios propostos pelo Enem. Poderiam abrir portas, dar oportunidades iguais para todos que querem estudar e serem bem sucedidos profissionalmente. Poderiam mostrar, desde a escola base, que apesar das diferenças todos somos iguais, mesmo que os direitos sejam, na teoria, iguais para todos.

Mas sabe quando as coisas nesse país vão para frente? Nunca. Infelizmente. “Nossa, que pensamento pessimista”, alguns devem achar, Mas como dizia Alvo Dumbledore em Harry Potter: “Não vale a pena viver sonhando e se esquecer de viver.” Seria mais do que um sonho.

 
 
 

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*Trabalho da disciplina "Mergulhão de Hipermídia". Professores responsáveis: Flávio Lins e Wendell Guiducci.

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