Em defesa da leitura
- Yasmin Machado Dias
- 20 de nov. de 2017
- 4 min de leitura
“Ninguém começa a ler por Macunaíma”, escreveu Bruno Miguelino da Silva em seu artigo para a revista Superinteressante em 2005, defendendo a ideia de termos mais autores que escrevam sobre nada. Este, inclusive, foi o título da matéria que falava que o Brasil carecia de livros que pudessem ser a ponte entre textos como o de Monteiro Lobato (claramente voltados para o público infantil) e os de Machado de Assis (os quais a maioria de nós teve que ler no ensino médio para passar de ano e que poucos de nós gostamos).

Livros de José de Alencar e Machado de Assis, clássicos de dois dos maiores nomes da literatura brasileira. Foto: Yasmin Machado Dias
Mas Bruno da Silva falou sobre a falta de autores brasileiros que escrevessem entretenimento, afinal as estantes das livrarias estão cheias de livros de autores estrangeiros bestsellers não só em seus países de origem mas aqui também. Como disse, o artigo foi publicado em 2005, porém eu só li esse texto em 2009, para uma tarefa de interpretação de texto do colégio e concordei com quase tudo que ele disse.
As pessoas não começariam a ler por esse livro aí, Macunaíma, afinal acho que nunca tinha ouvido falar dele na época e não sabia que o Mário de Andrade havia lançado-o em 1928, nem que é um texto importante do Modernismo brasileiro. Mas eu sabia que a crítica não falava muito bem do Paulo Coelho (que Bruno defende), independente dos motivos, apesar de nunca ter tido interesse por alguma obra do autor.
O que realmente me chamou atenção foi o fato de alguém ter se disposto a defender o tipo de literatura que eu admirava na época e ter escrito um texto cheio de argumentos que eu considerava muito convincentes para que as pessoas dessem mais valor à literatura dos bestsellers, àqueles livros que os intelectuais não consideram nada mais que puro material para comércio.
De uns tempos para cá, questiono o título dessa antiga matéria, pois “autores que escrevam sobre nada” parece ignorar que haja importância naquilo que esses autores que vendem mais estão falando. Mas esses livros também falam. Não servem apenas como ponte entre a literatura infantil e a adulta, porque muitos também trazem mensagens sobre amadurecimento e incentivam questionamentos a respeito de quem você é e quem gostaria de ser.
Sei que posso ter soado redundante, afinal autores que escrevem para adolescentes sobre os altos e baixos de ser adolescente é uma das coisas mais óbvias desse mundo. Mas para defender meu ponto de vista, é importante lembrar de livros que se tornaram clássicos que também discutem a questão do amadurecimento, como O apanhador no campo de centeio, do estadunidense J.D. Salinger, e Demian, do alemão Herman Hasse.
Toda literatura tem o seu lugar: pode ser como presente para alguém que está aprendendo a ler, pode ser também para incentivar aquele amigo a gostar de algo além de videogames (não que gostar de jogos seja um problema), pode ser para falar de amor fazendo aquela indireta (ou direta) literária, ou para deixar a estante daquela pessoa viciada em livros mais bonita com uma edição especial em capa dura.
Porque nem todo mundo começou a se apaixonar por leitura porque a mãe levou para a biblioteca municipal da cidade e fez uma ficha com foto e tudo para que você pudesse pegar os livros sozinha agora. E nem todo mundo começa a gostar de ler porque foi obrigado durante as aulas de literatura na escola, mesmo que não tenha nada de errado com os clássicos de autores brasileiros e com a questão de lê-los para aulas.
Não estou tentando elevar a literatura de entretenimento à altura de livros que são indicados a prêmios como o Nobel, mas apenas salientando que os livros de consumo rápido ou comercial têm o seu lugar. E funcionam como filmes de ação e comédia, pois estamos acostumados com a trama e ainda assim continuamos assistindo: tem um personagem principal que passa por um problema ou tem algum objetivo a ser alcançado, geralmente problemas com o interesse amoroso acontece paralelamente, e no fim, as coisas são resolvidas, para melhor ou para pior.
Saber como esses filmes comerciais funcionam não nos impede de gostar deles e também não impede que possamos nos interessar por filmes independentes ou experimentais. É claro que existirão pessoas que não se interessarão pelo cinema de fluxo japonês (que fala sobre gerar um novo olhar sobre o cotidiano e sobre as pequenas coisas da vida) e também teve um monte de gente que só fingiu ler Memórias póstumas de Brás Cubas para as provas do vestibular.
A partir daí, depende de cada pessoa; é como o feed de notícias do Facebook: se você só curte literatura infanto-juvenil e não pesquisa por outras histórias que podem vir a ser interessantes, você pode ficar preso pra sempre com esse tipo de texto. Mas ir atrás de outros temas, de livros que não estão na lista de bestsellers do mês, que estão por R$ 10 em um sebo, ou indicados por algum cantor do qual você é fã, pode surpreender.
E aí você não vai achar difícil ler Macunaíma, e vai poder se aventurar em Grande Sertão: Veredas, mesmo sabendo que não vai conseguir entender tudo que o livro propõe de primeira. E com a Black friday chegando, temos a oportunidade de nos aventurar em histórias mais profundas e menores preços (se quisermos, é claro), sejam clássicos brasileiros ou textos do realismo fantástico, vai que Cem anos de solidão do nosso vizinho colombiano Gabriel García Marquez vai se tornar seu próximo amor.

Livros clássicos e infanto-juvenis brasileiros, juntos. Foto: Yasmin Machado Dias.
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