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Os altos e baixos do cinema tupiniquim

  • Thaís Mariquito
  • 22 de nov. de 2017
  • 10 min de leitura

Como a história afetou a relação do público brasileiro com filmes nacionais,

ainda assim, nunca se produziu tanto

Sônia Braga em cena do filme “Aquarius” (2016) (Foto: Dilvugação/SBS Distribution)

Com uma trajetória bem diferente da história do cinema mundial, as produções brasileiras demoraram a acompanhar os movimentos artísticos pelo mundo. Os altos e baixos na qualidade das produções e na relação com o público estão diretamente relacionados aos momentos mais importantes da história do país, como a ditadura militar e a crise política e econômica dos anos 1990.

Atualmente, os filmes nacionais com maior público são as comédias, principalmente, aquelas vinculadas a outras produções já conhecidas. Por exemplo, a franquia “Minha mãe é uma peça”, adaptada de uma peça de teatro stand up, “Carrossel”, adaptada de uma novela infantil, e “Internet – O Filme”, que reúne no elenco os influenciadores digitais mais populares.

“As produtoras estão pensando no que o público gosta e fazendo filmes”, explica Flávia Vilela, que trabalhou como assistente de direção em produções como “Hoje eu quero voltar sozinho” e “Internet – O Filme”. “Ano passado fiz esse filme que usou os youtubers mais bombados na internet para atrair os jovens para o cinema. Ou seja, as pessoas que ‘consomem’ Youtube iriam ao cinema para vê-los. É uma distribuidora que quer atingir um público e começa a produzir filmes que eles sabem que interessam a esse público. E esse é um público que está rendendo bastante bilheteria.”

Internet o Filme (2016) (Foto: Divulgação/Paris Filmes)

Ainda assim, a preferência do público está, geralmente, nas superproduções americanas, como o repórter de cultura do jornal Tribuna de Minas Júlio Black analisou. “Nós nos acostumamos com o perfil cinematográfico hollywoodiano. O ser humano gosta do que lhe é familiar, então, se ele cresceu com filmes de ação, aventura, comédias, ele, teoricamente, pode querer seguir nesse caminho. O público, em geral, busca diversão escapista e, por isso, vai nas referências que possui.”

Nilson Alvarenga, cineasta, professor dos cursos de Jornalismo e Rádio, TV e Internet, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e organizador do Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora, concorda: “Compara-se uma suposta ‘qualidade técnica’ de produções americanas com uma qualidade que seria ‘inferior’ dos filmes brasileiros. Não se leva em conta, neste caso, modos de narrar, modos de filmagem e finalização, que seguem outros parâmetros que não os do cinema comercial americano.”

Ele lembra, ainda, que o fator econômico e publicitário também deve ser levado em conta. “Se numa sala estiver passando um filme cujo aporte de recursos publicitários é bem maior do que um outro, brasileiro, que não o tenha, a preferência de consumo e de oferta por parte do distribuidor será maior.”

Desde outros tempos

Cidade de Deus (2003) (Foto: Divulgação)

Historicamente, a relação do público brasileiro com o cinema nacional é marcada por altos e baixos. Da chegada do cinema ao país até sua consolidação como meio de comunicação, houve um longo caminho. A primeira exibição de um filme por aqui foi em julho de 1886, oito meses após a primeira da história, na França. E, foi somente no ano seguinte, em 1887, que a primeira sala de cinema foi aberta na capital carioca.

“Os Estranguladores” é considerado o primeiro filme de ficção brasileiro e foi lançado mais de dez anos depois, em 1908. “O mercado brasileiro foi historicamente ocupado pelo produto estrangeiro, pelo menos, desde os anos 1910”, explica o cineasta e professor do curso de Cinema e Audiovisual da UFJF, Luís Alberto Rocha Melo.

“Até os anos 1940, havia um típico complexo de inferioridade, uma comparação com o cinema internacional (especialmente o americano) que levava a pensar que o Brasil não poderia produzir filmes de ‘qualidade’”, conta Nilson. Em 1949, o estúdio Vera Cruz foi criado com base nos moldes norte-americanos, era uma tentativa de industrialização do cinema por aqui, sendo um marco na história por produzir “O Cangaceiro” (1953), primeiro filme brasileiro a vencer o Festival de Cannes.

Na transição da década de 1950 para a de 1960, surgiu o Cinema Novo. Com o lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, a intenção era fazer filmes revolucionários e com temáticas de cunho social e político, sem importar se eram esteticamente bons. Ainda assim, filmes como “Deus e o Diabo na terra do sol” (1964) e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” (1969), do baiano Glauber Rocha, até hoje são considerados clássicos representantes dessa época.

“No Cinema Novo, houve uma recusa da ideia de cinema popular e um renovado interesse no cinema brasileiro, mas, infelizmente, restrita a uma classe média politizada. O cinema marginal e, depois e na esteira dele, a pornochanchada, são um capítulo à parte. Uma mistura de cinema popular com um apelo comercial (no caso da pornochanchada) bem forte, mas que gerou um preconceito muito grande, tanto do ponto de vista do cinema comercial, que continuava tomando como critério o cinema americano, quanto da perspectiva da classe média, que via na pornochanchada uma manifestação de baixa cultura”, esclarece Nilson.

Luís Alberto completa: “Tradicionalmente, o chamado ‘público classe A’ apresentava certas preferências, e, eventualmente, recusava o filme brasileiro (popular ou não) dizendo que era de má qualidade – ou era excessivamente vulgar (chanchadas, pornochanchadas) ou era excessivamente hermético (Cinema Novo); os frequentadores de cinema de extração mais popular não tinham esses preconceitos, mas tinham também suas preferências. Preferiam a pornochanchada aos filmes do Cinema Novo”.

Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) (Foto: Divulgação)

A principal distribuidora da época era a Embrafilme, criada durante a ditadura militar e que se tornou uma ferramenta de controle estatal que financiava as produções. Com isso, o mercado e a população ficaram mais abertos ao cinema nacional. Segundo o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), vinculado à Agência Nacional de Cinema (Ancine), o filme “Dona Flor e seus dois maridos” (1976) levou mais de dez milhões aos cinemas e se manteve no topo da lista de filmes brasileiros com maior público até 2010, quando foi desbancado por “Tropa de Elite 2”.

“A Embrafilme sempre foi muito polêmica e uma das várias acusações que faziam a ela dizia respeito ao favoritismo que existia na distribuição de verbas para produção e distribuição, privilegiando os cineastas próximos ao Cinema Novo”, conta Luís Alberto. “O fato é que, nesse período ‘de ouro’ (entre 1975 e 1980), a Embrafilme chegou mesmo a conquistar quase 50% do mercado de exibição, atuando como produtora e distribuidora”.

Passada a era de ouro, o declínio começou na década de 1980, com o surgimento do videocassete e a proliferação de locadoras de filmes por todo o país. “Os anos 1980 foram anos de muita crise, de inflação galopante e de ocaso do regime militar, o que punha também em cheque a própria política de tutela estatal da produção cinematográfica”, Luís Alberto explica. Ainda assim, os filmes dos Trapalhões monopolizam a lista da Ancine de maiores públicos da década de 1980, com um total de quase 60 milhões de ingressos vendidos.

Durante o governo Collor, além das privatizações, foram extintos o Ministério da Cultura, a Embrafilme, o Conselho Nacional de Cinema (Concine) e a Fundação do Cinema Brasileiro. Mas Luís Alberto destaca que havia interesses por trás disso. “É preciso lembrar que isso também era claramente algo que interessava às grandes distribuidoras transnacionais instaladas no país, pois eliminava a competição do filme brasileiro no nosso mercado. O Collor acabou com a Embrafilme, mas não colocou nenhum tipo de alternativa à produção e à distribuição de filmes”.

Aos poucos, após Itamar Franco assumir o poder executivo, retomou-se o Ministério da Cultura e surgiu a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, que liberava recursos para produção de filmes através do Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro. Em 1993, a chamada Lei do Audiovisual (Lei Federal 8.685/93) entrou em vigor a fim de investir em produções cinematográficas e audiovisuais nacionais e em infraestrutura de produção e exibição. Nessa época, dos 11 filmes que tiveram mais de 1 milhão de espectadores, cinco são da franquia Trapalhões, dois da Xuxa e um é a subfranquia “Sonho de Verão” (1990), que tem como principal atração as Paquitas.

Os Saltimbancos Trapalhões (1981) (Foto: Divulgação)

“A partir da reorganização da classe produtora, buscou-se novamente o contato com o Estado, resultando naquilo que, mais ou menos a partir de 1995, ficou conhecido como ‘retomada do cinema brasileiro’, que não é outra coisa senão a retomada da produção de filmes novamente com apoio do Estado, a partir das leis de incentivos fiscais. Entre 1995 e 2003, uma parcela de produtores cinematográficos conseguiu se reorganizar e se adaptar às diversas transformações que ocorreram”, relata Luís Alberto.

No entanto, muitas dificuldades continuavam: a maioria dos filmes não encontrava salas de exibição no país e muitos eram exibidos em condições precárias, com salas inadequadas, pouca divulgação na mídia local e exibição em datas desprezadas pelas distribuidoras estrangeiras.

Foi com a criação da Globo Filmes, produtora especializada das Organizações Globo, que o cinema nacional conseguiu se reposicionar em praticamente todos os segmentos. Em pouco tempo, ela viria a se tornar um grande monopólio ocupante do mercado cinematográfico brasileiro. Entre 1998 e 2003, a empresa se envolveu diretamente em 24 produções e sua supremacia se consolidou nesse último ano, quando os filmes com participação da empresa obtiveram mais de 90% da receita da bilheteria do cinema brasileiro e mais de 20% do mercado total.

Com temática atual e novas estratégias de lançamento, alguns filmes lançados na primeira década do século XXI alcançaram grande público no Brasil e também carreira internacional, como “Central do Brasil” (1998) e “Cidade de Deus” (2002), Carandiru (2003) e Tropa de Elite (2007), sendo que esses dois primeiros chegaram a receber duas e quatro indicações ao Oscar, respectivamente.

Em nome da arte

O filme “Mate-me por favor” (2015) fez sucesso entre os críticos, mas só estreou no cinema um ano depois, em apenas 46 salas. Foto: Dilvugação/ Wayna Pitch

Segundo Nilson, hoje, o cinema brasileiro encontra-se claramente dividido em duas vertentes opostas: “uma produção comercial voltada para competir - deslealmente, diga-se de passagem - nas salas de shopping ou de multiplex com o cinema internacional (americano, principalmente) e uma produção artisticamente sofisticada, por vezes engajada ainda, mas sobretudo antenada com outros modos de produção cinematográfica que não o americano, mas que está restrita a festivais e mostras.”

Essa segunda vertente, a dos filmes de viés mais artístico, enfrenta mais problemas. “Existe essa noção entre o público de que filme brasileiro sério é ‘filme chato’. E isso acaba disseminado nas redes de cinemas, que não vão querer deixar uma sala vazia durante uma ou duas semanas quando poderiam faturar mais com um blockbuster, uma franquia ou uma comédia.”, comenta o jornalista Júlio Black.

Flávia Vilela justifica também com os baixos orçamentos dessas películas, que acabam prejudicando o processo de distribuição. “Filmes autorais têm mais dificuldades de ir para as salas de cinema convencionais e ficam mais restritos aos festivais porque não há muita distribuição, tem poucas cópias, circula menos e tem menos dinheiro investido”.

Luís Alberto defende que o cinema precisa se tornar uma política de Estado, uma atividade estratégica para a cultura, economia e geração de empregos. E, dessa forma, criar novos canais e janelas de difusão e exibição para filmes brasileiros. “O que penso é que, sem vontade política, a situação do cinema no país será sempre precária. Enquanto isso, vai-se produzindo como cada um consegue. Eu, por exemplo, faço filmes independentes, com recursos próprios. Talvez eu me classifique como louco, quem sabe?”

A fim de estimular o patrocínio das artes e do cinema, no Brasil, foram criadas as leis de incentivo à cultura ainda nos anos 1990, como a Lei Rouanet (Lei 8.313/91), a Lei do Audiovisual (Lei 8.685/93), entre outras em níveis estaduais e municipais, como a Lei Murilo Mendes (Lei Municipal nº 8525/94) em Juiz de Fora, além de inúmeros editais e seleções públicas divulgados pela Ancine.

Mas Nilson destaca também uma outra realidade: “Com a ideia de abatimento de parte dos impostos devidos, o objetivo era que as empresas se vissem estimuladas a investir na cultura. Mas, ao invés de estimular o patrocínio direto na cultura, subsidiou-se, indiretamente, um modelo de incentivo que, no final das contas, tinha uma forte conotação publicitária”.

“Porém, se olharmos da perspectiva do produtor cultural, tirar-lhe este, muitas vezes, único meio de poder produzir - especialmente quando pretende produzir cinema não comercial - seria catastrófico. Então, embora o modelo das leis de incentivo possa ser repensado, extingui-las seria um erro maior”, pondera.

“A verdade é que filmes nacionais teriam muito menos presença nos cinemas se leis como essas, em especial a Rouanet, não existissem. Infelizmente não temos estúdios fortes como nos Estados Unidos, então a participação da iniciativa privada por meio de leis de incentivo ainda é essencial para nosso audiovisual”, Júlio completa.

Os festivais de cinema locais também ajudam a dar mais visibilidade às produções nacionais, especialmente aquelas que não conseguem espaço nas salas de cinema tradicionais. “Os festivais fecham uma lacuna no sistema de distribuição cinematográfica no Brasil. Como muito da produção que não segue o parâmetro comercial não encontra lugar nas grandes salas, o meio de distribuição principal são os festivais e mostras”, aponta Nilson.

Futuro otimista

Minha mãe é uma peça 2 (2016)

Apesar dos problemas, o cenário futuro parece favorável. De acordo com o Informe anual preliminar de 2016, realizado pela Ancine e divulgado pelo OCA, 143 filmes brasileiros foram lançados no ano passado, sendo 97 deles de ficção, a maior marca registrada na história do cinema nacional. Além disso, foram vendidos 30,4 milhões de ingressos para produções brasileiras, sendo este o melhor resultado desde 1984, e a participação de mercado dos filmes nacionais chegou a 16,5%, contra 13% em 2015.

“Eu acredito que podemos ter um público cada vez maior no futuro, pois a capacidade técnica de nossas produções tem evoluído, e diretores daqui têm filmado lá fora, o que ajuda muito. Isso vai permitir que filmes tidos como série, de arte, tenham um acabamento ainda melhor”, comenta o jornalista Júlio Black.

Flávia também se mantém otimista: “Estamos com muitas produções, canais de TV por assinatura e streaming olhando um pouco mais para nosso mercado. E também temos diretores brasileiros dirigindo fora, coproduções cada vez maiores, então pode ser que comece a mudar o ponto de vista do público. E espero que consumamos coisas melhores, porque o cinema também é uma maneira histórica de reconhecimento de um povo e como ele vive.”

Já para Nilson, o futuro do cinema nacional depende diretamente da forma como a sociedade enxerga a cultura brasileira como um todo. “Talvez um futuro mais promissor deveria ser rever essa ideia de um eterno recomeço, como nas tentativas de industrialização (anos 1940 e 1950, renovadas nos anos 2000), o Cinema Novo (anos 1960), o cinema da retomada (anos 1990) e o novíssimo cinema brasileiro. Parece que o cinema no Brasil está sempre começando”, avalia. “Mas isso implica uma dinâmica cultural - e também política - que vai para além das fronteiras do cinema. Implica toda uma visão da cultura brasileira. Onde faltar consciência da importância cultural do cinema brasileiro para além do consumo, será difícil uma concorrência de mercado equitativa”, completa.

 
 
 

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