Estudar fora: uma bagagem para a vida toda
- Mayara Affonso
- 8 de nov. de 2017
- 9 min de leitura
Estudantes contam suas experiências em terras estrangeiras
É cada vez mais comum brasileiros irem para o exterior em busca de novos conhecimentos e de uma educação de qualidade. Alguns viajam através de bolsas de estudos, outros por editais oferecidos entre universidades conveniadas e alguns por conta própria, arcando com todos os altos custos do intercâmbio. De acordo com a agenciadora Giselle Ghilard (43), os destinos mais procurados são países como: Estados Unidos, Reino Unido, França, Portugal e Canadá. “Todos os dias recebemos pessoas em nossa agência procurando pacotes de intercâmbio e de cursos de idiomas em algum desses lugares”, comenta Giselle.
Muitos estudantes sentem vontade de fazer intercâmbio, pois conhecem alguém que já embarcou nessa experiência e ficam empolgados para vivenciarem momentos semelhantes. Segundo a agenciadora, a procura não se limita a apenas jovens; pessoas na faixa dos quarenta anos também buscam cursos de inglês no Reino Unido ou nos Estados Unidos. “Geralmente, esses cursos possuem uma duração de oito semanas, o que agrada bastante ao público adulto, pois você aprende o idioma em pouco tempo.”
Giselle ainda diz que essa busca incessante por intercâmbios e cursos de língua estrangeira tem sido o fator primordial para manter a agência de pé, uma vez que o valor do câmbio de moedas estrangeiras, como o euro e a libra esterlina, sofrem alterações contínuas. Desse modo, um grande número de pessoas começou a investir na própria educação, deixando o lazer em segundo plano. “Recebemos clientes que precisaram mudar seus projetos e adiar a viagem dos sonhos, pois a alta do euro ou do dólar não permitiu. A procura por intercâmbios continua alta, uma vez que os pacotes de estudo possuem preços e conteúdos distintos”, conclui Giselle.
Tipos de intercâmbio
Intercâmbio High School
Para aqueles que sempre sonharam em estudar fora, há vários tipos de intercâmbios oferecidos. Um deles é o intercâmbio de Ensino Médio, ou intercâmbio de High School. Esse tipo é voltado para jovens que têm entre 14 e 19 anos e querem cursar um semestre ou até mesmo um ano inteiro de seu estudos no exterior. Durante esse tempo, além de aprimorar o idioma, o estudante frequenta a escola regularmente, como qualquer jovem local, o que permite ao intercambista vivenciar o dia a dia do nativos de determinada cultura.
Intercâmbio de Idiomas
O intercâmbio de idiomas é um dos mais procurados pelos brasileiros. A maioria opta por esse, com o intuito de aprender inglês ou espanhol. O foco desta modalidade de intercâmbio é que o estudante aprenda o idioma estrangeiro através da vivência no exterior. A duração varia de mês a um ano, tudo depende do objetivo e da escolha do aluno. Geralmente, quem opta por esse intercâmbio passa por uma prova que determina o nível de inglês do aluno. Tanto alunos com nível mais básico, quanto os que já possuem um nível mais avançado de fluência no idioma, podem aproveitar a experiência. Para aqueles que já conhecem bem a língua e desejam apenas adquirir mais segurança e fluência no idioma, podem concorrer a programas ou cursos ofertados por instituições de ensino superior.
Intercâmbio de idiomas com atividades extracurriculares
Essa modalidade é ideal para quem deseja conciliar uma atividade que seja prazerosa com o aperfeiçoamento de uma língua estrangeira. O intercâmbio com atividades extras permite ao intercambista focar em outras áreas como artes, fotografia, culinária, dança, esportes e cinema. Este tipo de intercâmbio é indicado para pessoas que já tenham um conhecimento intermediário da língua e que desejam adquirir fluência.
Intercâmbio Au Pair
O Au Pair é um programa de trabalho remunerado onde o intercambista trabalha como babá. Ele é bastante comum em países como os Estados Unidos e em várias áreas da Europa. Em geral, o programa é oferecido apenas a mulheres, mas dependendo das agências, os homens podem ser aceitos também. A rotina de trabalho é de até 45 horas semanais, que incluem atividades como: levar e buscar as crianças na escola, acompanhar os mesmos em passeios, cuidar da alimentação e da higiene, dentre outras, que são estabelecidas previamente. Durante a folga, o intercambista tem a possibilidade de estudar em algum curso ou até mesmo passear.
Em outros programas, a visão do intercambista é para o mundo, já que ele possui mais contato com outros estrangeiros. Quem opta por essa modalidade, tem a chance de mergulhar nos hábitos das famílias locais e aprender com eles outros costumes.
Intercâmbio com trabalho voluntário
Neste tipo de intercâmbio, o importante é aliar o aprendizado de uma nova língua com uma causa que tende a ser importante. Essa modalidade permite que o intercambista ajude idosos e crianças, além de ofertar trabalhos vinculados ao meio ambiente e à vida selvagem. Os destinos mais comuns de intercâmbio com trabalho voluntário são países como África do Sul e China. Normalmente, estes programas duram de 1 a três meses e podem ser combinados com estudos de idiomas. O intercâmbio é mais indicado para aqueles que já tenham um nível avançado da língua, já que para realizar o trabalho voluntário, será preciso se comunicar com as pessoas diariamente.
O pró-reitor adjunto de graduação Cassiano Amorim, fala sobre os benefícios em estudar no exterior.
Experiência Belga
Cecília Samel Fernandes (23) cursa Filosofia e estudou durante dez meses na Bélgica quando tinha dezessete anos. Seu intercâmbio foi realizado por conta própria através do Rotary Internacional Intercâmbio de Jovens, que acolhe estudantes internacionais pelos Rotary Clubs locais. A jovem relata como foram seus primeiros passos para dar início aos estudos: “Eu precisei fazer umas provas para o processo seletivo do Rotary. Depois, tive a opção de definir o local que eu gostaria de morar e a família que iria me acolher no tempo em que eu ficaria por lá.” Cecília escolheu como destino a cidade de Saint Ghislain, estudou na escola Collège Sainte Marie e recorda que sua estadia e o período de convivência com a família escolhida foram momentos maravilhosos. “No dia em que cheguei lá, fui recebida por eles com um lindo cartaz, que dizia: "Bienvenue Cecília" (bem-vinda Cecília).”

Cecília foi recepcionada pela família bélgica no dia em que chegou na Bélgica. Foto: Cecília Samel/Arquivo pessoal
Sua rotina era bastante simples: durante a semana ia para a escola e nos finais de semana aproveitava para conhecer lugares novos espalhados pela Bélgica. Cecília conta que só encontrou uma dificuldade durante seus estudos: “Eu fiz aulas de alemão, o que era bem difícil, pois as aulas eram em francês e isso sempre acabava fazendo uma confusão no meu cérebro.”
Outro fator complicado para a estudante foi aprender a lidar com um sentimento um tanto complicado: a saudade. “A saudade é de tudo, da família, dos amigos, do arroz com feijão, do sol, porque na Bélgica o tempo é nublado constantemente; também senti falta de fazer qualquer coisa da minha rotina no Brasil.” Apesar de ter sofrido com a distância, a intercambista consegue enxergar um lado bom em tudo isso: “Esse sentimento esteve presente em todos os momentos, pois você tem de deixar para trás várias experiências extraordinárias que você passou. Você não consegue mais ser de um só lugar, você vira parte de ambos os lugares”, relata Cecília.
Rotina Americana
Enquanto Cecília e Bianca compartilham sua extensa bagagem cultural advinda dos países em que estudaram, Bernardo dos Santos Abad (24) embarcou para os Estados Unidos em agosto de 2015 com destino à Universidade Monmouth, em Nova Jersey. Bernardo cursa Artes Visuais na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e realizou seu sonho de fazer intercâmbio em outro país graças ao programa Ciência Sem Fronteiras.
O Ciência Sem Fronteiras foi um programa do Governo Federal que buscava promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira através de um intercâmbio com destino a outros países. O Ciência Sem Fronteiras não está mais em vigor, devido aos cortes de verbas do governo.
As etapas para a seleção de sua bolsa duraram cerca de um ano. Inicialmente, foi preciso ler com atenção o edital do programa Ciência Sem Fronteiras, na época, aberto a todos os estudantes de ensino superior no país e verificar os pré-requisitos do local escolhido como destino.
Como optou em ir para os Estados Unidos, Bernardo precisou realizar uma prova de proficiência de inglês, o TOEFL, exame aplicado gratuitamente nas instituições federais. Além disso, o jovem também precisou preencher um formulário informando suas expectativas para estudar no país definido, o curso que pretendia estudar e enviar as documentações necessárias referentes à faculdade brasileira.
Bernardo recorda que sua chegada aos Estados Unidos foi bem tranquila. “Um dos alunos da universidade Monmouth me encontrou no aeroporto, já que eu nunca tinha ido para os Estados Unidos e não fazia ideia de como iria chegar até a faculdade.” Segundo o estudante, todos os funcionários da instituição foram extremamente simpáticos e cuidadosos com a sua chegada e também com a ida de outros brasileiros e estudantes estrangeiros.
O estudante recorda de seu dia a dia na universidade. Segundo ele, sua rotina de aula era bem produtiva. Bernardo tinha aula em período integral e isso fez com que parte de seu tempo fosse preenchido com atividades. “Passei a ocupar todas as horas do meu dia fazendo coisas que eu não fazia constantemente no Brasil. Comecei a me dedicar mais a meus exercícios e sempre busquei produzir um trabalho diferente”, conta. Ainda segundo o estudante, a experiência que adquiriu estudando no Brasil foi um dos alicerces principais para que se destacasse entre os alunos na universidade americana. “Geralmente meus trabalhos eram mais elaborados e de maior qualidade do que os demais. Devo isso ao meu esforço pessoal, pois sempre busco aperfeiçoar meu desempenho”.

Bernardo é estudante de Artes Visuais e sempre que pode utiliza parte de seu tempo vago para aprimorar seu talento. Foto: Mayara Affonso
Bernardo também falou a respeito da diferença entre os costumes brasileiros e americanos: “O sistema de alimentação nos Estados Unidos parece ter sido elaborado para o consumo rápido. A maioria dos alimentos são bastante gordurosos e fritos. Foi um pouco complicado me adaptar a isso, pois tudo é muito pesado”, comenta. Outra questão observada por ele é a reutilização de materiais como garrafas plásticas e também a utilização de recursos naturais. “Percebi que lá há uma crescente preocupação com o desperdício de materiais e com a quantidade de lixo produzida, algo que de fato, ainda não vemos no Brasil”.
Para ele, o único ponto negativo dessa experiência foi ter de conviver com a distância. Além da família, Bernardo deixou para trás seus amigos, sua namorada e colegas de faculdade. “É muito ruim chegar a um lugar desconhecido e não ter nenhuma das pessoas que eu gosto por perto compartilhando novas descobertas comigo. Foi difícil, porque saudade eu senti todos os dias, mas eu sei que todo esse esforço valeu a pena”, encerra.
Dia a dia em Portugal
Bianca Maciente Colvara (23) estuda Jornalismo e está cursando parte de sua graduação na Universidade da Beira Interior, em Covilhã, Portugal. A estudante passou em um processo seletivo da UFJF, que possui convênio com a universidade portuguesa, o que permite a Bianca estudar sem precisar pagar a mensalidade. Contudo, os demais custos, como alimentação e aluguel, ficam por conta da família da estudante.
Bianca conta que desde novinha sempre gostou de viajar, e a vontade de fazer intercâmbio sempre esteve em seus planos. “Quando eu fiquei sabendo que a UFJF oferecia intercâmbio eu achei que seria uma boa oportunidade para eu conhecer o mundo. Foi uma das coisas que motivou esse desejo de viajar, de conhecer lugares novos, culturas novas, pessoas novas, esse desejo da novidade”, comenta.
A intercambista escolheu Portugal como destino, em parte pelo fato do português também ser a língua falada no país. Para a estudante, seria muito complicado optar por países onde se fala inglês ou francês, por exemplo. Apesar de ter um conhecimento intermediário no inglês, Bianca decidiu não arriscar. “Então eu fiquei com receio de tentar para um país onde eu precisaria ser muito boa no inglês e perder a vaga e preferi tentar para Portugal, porque eu sabia que não ia ser tão complicado”, explica. Além disso, outro fator que impulsionou sua escolha foi a experiência de alguns amigos do Brasil que já residiram em Covilhã. Dessa forma, a opção de Bianca foi pensada e planejada previamente.
Bianca contou que apesar dos portugueses falarem o mesmo idioma, há bastante diferença entre o português falado no Brasil e o português falado em Portugal. Assim como em qualquer lugar do mundo, lá há um regionalismo bastante presente, o que acentua o sotaque. “Esses dias eu também saí com umas amigas daqui de Portugal que eu conheci e um dos amigos delas é de uma outra região, e toda hora que ele falava comigo eu não conseguia entender de primeira, ficava pedindo pra ele repetir toda hora”, lembra.
Além disso, outra questão levantada por Bianca diz respeito às diferenças de significado entre palavras e expressões. Em Portugal, quando uma pessoa diz rapariga, ela está se referindo a uma moça, a uma menina. A mesma palavra dita no Brasil, possui um tom pejorativo, um cunho ofensivo. Apesar desses contratempos, a estudante diz que dá para conviver tranquilamente com as diferenças. “Tem esses detalhes de língua, isso é muito interessante, se a gente for reparar. Mas dá para se comunicar legal, dá pra pedir pra eles falarem um pouco mais devagar e todo mundo explica. De resto tô me sentindo em casa, uma cidade história de Minas Gerais, Covilhã.”
Outro ponto abordado pela estudante diz respeito às diferenças que ela percebeu entre a Universidade da Beira Interior e a UFJF, faculdade de origem. Bianca explicou que em Portugal, o tempo de graduação é relativamente menor ao tempo cursado no Brasil. Além disso, a universidade possibilita a intercambista cursar matérias do mestrado, algo que seria impossível de se fazer aqui no Brasil. “Para completar a minha grade, para pegar matérias mais práticas, eu peguei também matérias do mestrado daqui, do jornalismo. E é engraçado, porque se na graduação é tudo mundo teórico, parece que é meio superficial, no mestrado vem a prática”, salienta.
Apesar dos três intercambistas terem ido para países diferentes e adquirido conhecimentos e experiências diversas, todos eles carregam um valioso baú, repleto de momentos que irão guardar por toda a vida.
Bianca conta como é seu dia a dia na Universidade da Beira Interior.
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