Televisão x conteúdos online: um problema que não é de hoje
- Mayara Affonso
- 1 de nov. de 2017
- 6 min de leitura
Procura por novos canais de entretenimento tem se tornado cada vez mais frequente no Brasil
Segundo o Google, o mundo assiste hoje mais de 1 bilhão de horas de vídeo no YouTube por semana. Levando em consideração o número de habitantes da Terra, pode-se concluir que praticamente todos os 7,5 bilhões de pessoas assistem a 8 minutos de vídeo na plataforma diariamente. Se a estatística considerar somente os usuários conectados, aproximadamente 3,4 bilhões de pessoas, a taxa aumentaria para 17 minutos de vídeo por dia.
Os números impressionam. No Brasil, a procura por novas formas de entretenimento cresceu. Não basta só assistir à novela das nove; o público jovem opta pelos conteúdos online. Serviços de streaming como o Netflix, por exemplo, exibem filmes e séries para todos aqueles que estão à procura de algo novo para consumir. Isso sem contar os downloads de séries americanas que são exibidas semanalmente nos Estados Unidos por diversas emissoras de TV.
A febre da internet
Uma pesquisa feita pela Conect, empresa do Ibope, concluiu que um a cada três internautas brasileiros assiste a filmes e programas de TV pelo menos uma vez por semana. No Brasil, o número de assinantes de TV a cabo aumentou cerca de 30% em 2012, com crescimento menor nos anos que se seguiram. Hoje, embora a TV aberta continue liderando a audiência no Brasil, o hábito de consumir vídeos do YouTube ou a séries americanas via TV a cabo ou através de downloads aumentou. A chamada geração Z e os millennials estão em busca de conteúdos que não estão à sua disposição na grade da TV aberta.
Hoje, 37% de pessoas são assinantes de canais pagos, enquanto 42% da população, o equivalente a 82 milhões de brasileiros, consomem conteúdos da internet. A pesquisa, feita pelo YouTube no último ano com parceria do site Meio&Mensagem, ouviu 1.500 pessoas, entre 14 e 55 anos. Os números também apontaram que, entre o público mais jovem, a televisão está cada vez perdendo mais força, já que a maioria, cerca de 89%, declarou estar conectado a um dispositivo móvel enquanto se encontra diante de um aparelho televisivo.
O lado cultural da coisa
Desde o último capítulo de “Avenida Brasil”, as novelas da Rede Globo não registravam audiência significativa no horário nobre. O último folhetim de Glória Perez “A força do querer”, registrou 48,8 pontos de média e 51 de pico, com 65% de participação popular, segundo dados do Ibope, na Grande São Paulo. Esses dados comprovam que ainda tem bastante gente que assiste a telenovelas. A professora de jornalismo cultural Fernanda Fernandes explica os motivos que levam o público a parar seus afazeres e ficarem ligados no último capítulo do novelão das nove. “É o poder do ritual. É algo que tem que ser feito porque garante a quem participou do rito a não exclusão do grupo. Nesse caso, me refiro a rodas de conversa que se formam para comentar sobre o último capítulo e os dramas das personagens.”
Fernanda também esclarece os fatores que levam os brasileiros a adotarem hábitos de fora, como o consumo de séries americanas. De acordo com a professora, esse costume começou através da elite, que tinha acesso a recursos financeiros e, portanto, a produtos e serviços da cultura estrangeira. Para ela, tanto o público brasileiro quanto boa parte do mundo se alinharam ao modo americano através da indústria cultural, que modificou o modo de pensar e, principalmente, de consumir. “Talvez aí tenha começado muitas dessas críticas em relação à assimilação do que vinha de fora, pois eles puderam ser percebidos mais fortemente, mesmo quando ressignificados em relação à cultura local”, explica.
Será o fim da televisão?
Quando falamos em Netflix, a primeira coisa que comumente vem à cabeça é internet. Relacionamos a plataforma como um mero site, que contém programações variadas, via streaming, prestando serviços a mais de 100 milhões de habitantes. Contudo, Fernanda Fernandes faz uma leitura diferente desse provedor. Para ela, a Netflix é um modo diferente de elaborar e ver televisão, já que os conteúdos e também a forma como eles são produzidos levam em consideração as mudanças da atualidade.
A professora não acredita no fim da televisão. Para ela, as mídias passam por transformações, mas nunca desaparecem. “Estamos num momento de mudanças muito significativas e aceleradas. Acho que não podemos dizer que a televisão vai sumir, mas nossa maneira de ver TV mudará sim, incluindo os diferentes tipos de streaming que existem hoje.”
Apesar dos números apontarem a preferência do público jovem por assistir a séries de TV via streaming, a Netflix não costuma divulgar os dados de audiência, apenas informações pontuais, como a preferência dos jovens por conteúdos dublados. Para Fernanda, é preciso atentar para a preferência a gostos estrangeiros. “Não estaria aí uma contradição nessa percepção de que ‘estamos pegando hábitos estrangeiros’?”, comenta.
Não é só no Brasil
De acordo com o Diretor do Programa de Modelagem e Animação em 3D da Universidade Católica da Santíssima Conceição do Chile, Mario Montaner Bastías, a televisão carece de bons programas e até mesmo de conteúdos adequados. No Chile, assim como no Brasil, a procura por vídeos e programações estrangeiras são cada vez mais frequentes. “É muito usual que no Chile as operadoras a cabo ofereçam insistentemente promoções de canais pagos como a Fox, por exemplo, e as pessoas se negam, e a resposta é muito clara: ‘não, porque tenho Netflix’, ‘não, porque tenho acesso à Internet’”, diz. Segundo ele, a população demanda e consome aquilo que lhe instiga interesse, pois deixaram de ser meros consumidores. Hoje, o telespectador exerce a função de “prosumidor” (consumidor que também produz conteúdos).

Em palestra no II Congresso Internacional de Competências Midiáticas, na Faculdade de Comunicação da UFJF, Mario Montaner Bastias comentou sobre os problemas enfrentados pela televisão. Foto: Mayara Affonso
Ainda de acordo com Mario, o público jovem opta por assistir a seriados ou vídeos da plataforma YouTube, pois não há alternativas na TV. “A televisão chilena chegou à conclusão de que não seria rentável, para eles, criar conteúdos próprios, começando a comprar produções estrangeiras a baixo custo, e isso transforma a audiência, causa uma mudança, sobretudo nas mais infantis”, encerra.
O famoso “Não podemos generalizar”
Hoje, ouvimos muito dizer que praticamente ninguém mais assiste à televisão, mas ainda existe quem o faça. O diretor de arte Rafael de Souza (25) faz parte de um grupo seleto de pessoas que não abandonaram os conteúdos exibidos na televisão, seja ela aberta ou fechada. Rafael também consome os conteúdos da TV paga, é assinante da Netflix e tenta sempre estar em dia com as novelas. “Muita gente me pergunta por que eu ainda assisto novela, e eu vejo porque gosto. Claro que a gente caminha junto com os avanços tecnológicos e, assim como todo mundo, também assisto vídeos no YouTube e adoro as séries da Netflix”, comenta.

Enquanto trabalha, Rafael assiste seu programa matinal preferido, O Mais Você. Foto: Mayara Affonso
Para Rafael, que trabalha em regime de home office, ou seja, dita os seus horários, a quantidade de trabalho exercida e as funções do dia, o consumo de conteúdos televisivos só é possível graças às condições de seus afazeres. “Trabalhar em casa foi uma das melhores decisões que tomei. Quando quero assistir à novela da tarde ou à Ana Maria Braga, faço uma pausa e depois retomo o que estava fazendo.”
Imersão na era digital
Diferentemente de Rafael, há quem prefira, e muito, os conteúdos presentes nas plataformas online. Ana Flávia Alvim (24) é estudante e raramente liga seu aparelho televisivo, abrindo exceções somente para telejornais. Segundo a estudante, a televisão exige do telespectador um tempo de dedicação muito grande, além de selecionar previamente e exclusivamente aquilo que irá ao ar: “Acredito que a TV é autoritária, não nos dá muito a chance de escolher o que queremos assistir. Se houvesse uma reinvenção, para proporcionar mais interatividade e liberdade de escolha, as coisas poderiam ser diferentes”.
Além disso, Ana ressalta a facilidade de acessar matérias jornalísticas e notícias online que, de certa forma, também foram exibidos em telejornais. “Se estou interessada em ver uma reportagem, eu posso ir atrás dela a qualquer hora do dia e ela estará lá. Posso pesquisar mais sobre o tema, isso tudo online.”
Para a estudante, muitos jovens e até mesmo pessoas de outras faixas etárias optam por assistir séries de TV, por exemplo, em detrimento das telenovelas brasileiras. De acordo com Ana, as novelas que atualmente estão nas grades televisivas apresentam histórias que não prendem a atenção do público. “As novelas são longas e possuem um enredo muitas vezes maçante. Ficam enrolando um tempão com um conteúdo, então de uma certa forma acho que as pessoas não têm muita paciência.” Para a estudante, as séries de TV apresentam narrativas diversas, deixando o público na expectativa pelo próximo episódio.
A estudante Ana Flávia Alvim comentou o que pensa a respeito das telenovelas brasileiras e também das séries de TV americanas.
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